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Foto do escritorOscar Valente Cardoso

A Flexibilização da Prisão Civil em Casos de Dívida Alimentar: Análise do Habeas Corpus 880951 do Superior Tribunal de Justiça

Em uma decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Habeas Corpus nº 880951, sinalizou um movimento significativo na compreensão e aplicação da prisão civil por dívida alimentar no Brasil.


O caso concreto, analisado pela 3ª Turma, reflete a complexidade que envolve o inadimplemento de obrigações alimentares e os limites da coação legal como instrumento para garantir o cumprimento dessas obrigações.


Conforme a ementa do acórdão:


"HABEAS CORPUS. FAMÍLIA. INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRISÃO CIVIL DECRETADA. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO LIMINAR DE DESEMBARGADOR RELATOR DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM OUTRO HABEAS CORPUS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 691 DO STF. INVIABILIDADE. AFERIÇÃO DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR INVOLUNTÁRIO E ESCUSÁVEL. EPISÓDIOS DE SURTOS PSICÓTICOS DESDE 2018. TRATAMENTO HOSPITALAR EM PORTUGAL. PACIENTE ENCONTRADO EM ESTADO DE VULNERABILIDADE SOCIAL. LAUDO PERICIAL. DEVEDOR ACOMETIDO DE QUADRO DE ESQUIZOFRENIA E DEPRESSÃO. DEPORTAÇÃO E PRISÃO CIVIL. SUPERAÇÃO DA SÚMULA Nº 691 DO STF. FRAGILIDADE DO ESTADO DE SAÚDE. PACIENTE QUE NECESSITA URGENTEMENTE DE CONTINUIDADE DE TRATAMENTO MÉDICO-PSIQUIÁTRICO. IMPOSSIBILIDADE, MOMENTÂNEA, DE ADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO. MEDIDA COERCITIVA QUE SE MOSTRA, NO MOMENTO, DESPROPORCIONAL E INADEQUADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, EXCEPCIONALMENTE, DE OFÍCIO PARA CASSAR O MANDADO DE PRISÃO. POSSIBILIDADE DE REAVALIAÇÃO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO APÓS A REALIZAÇÃO DE NOVO LAUDO PERICIAL JÁ DETERMINADO.

1. A teor da Súmula nº 691 do STF, não se conhece de habeas corpus impetrado contra decisão liminar de relator proferida em outro writ, ou impugnando decisão provisória de Desembargador de Tribunal sujeita a jurisdição do STJ, exceto na hipótese teratologia ou ilegalidade manifesta. Possibilidade excepcional de concessão da ordem de ofício. Precedentes.

2. Na linha da jurisprudência do STJ, a prisão civil só se justifica se "(i) for indispensável à consecução dos alimentos inadimplidos; (ii) atingir o objetivo teleológico perseguido pela prisão civil - garantir pela coação extrema da prisão do devedor, a sobrevida do alimentando; e (iii) for a fórmula que espelha a máxima efetividade com a mínima restrição aos direitos do devedor" (HC nº 392.521/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJe d e1º/8/2017).

3. Os elementos dos autos revelam que o inadimplemento da obrigação alimentar se mostra, no caso, escusável e involuntário, considerando que o devedor, que tem quadro de surtos psicóticos desde 2018, foi encontrado em estado de vulnerabilidade social em Portugal, e após tratamento médico-psiquiátrico no Hospital de Coimbra, foi diagnosticado com depressão e esquizofrenia, com recomendação de continuidade do tratamento após a alta e deportação.

4. Situação que se assemelha com a Tomada de Decisão Apoiada, prevista na revisão do Novo Código Civil (art. 1.783-A).

5. Medida coercitiva da prisão civil que, no momento, devido ao quadro de fragilidade da saúde psíquica do devedor, se revela desnecessária e ineficaz, e colocar o paciente, numa prisão, por 90 (noventa) dias, seria mais desserviço do que propriamente a utilização da técnica da coerção, causando-lhe gravame excessivo.

6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, excepcionalmente, de ofício, confirmando a liminar já concedida pela Presidência desta eg. Corte Superior, mantida a liberdade do devedor de alimentos" (STJ, HC 880951/SE, 3ª Turma, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 12/03/2024, DJe 14/03/2024).



Contexto e Decisão Judicial


O caso em análise envolveu um devedor de pensão alimentícia que, apesar de não ter efetuado o pagamento da pensão de sua filha desde 2015, demonstrou estar enfrentando sérias dificuldades financeiras e de saúde, que impactaram diretamente sua capacidade de adimplir com a obrigação alimentar.


A despeito dessas alegações, foi decretada ua prisão civil do devedor em 2017, cumprida apenas em 2023.


A peculiaridade do caso residia no fato de que, além das alegações de incapacidade financeira, o devedor apresentava um quadro clínico severo, com diagnóstico de esquizofrenia e depressão, o que foi corroborado por laudo pericial. Essas condições repercutiram na análise do STJ sobre a adequação e eficácia da prisão civil como medida para compelir o pagamento da dívida alimentar.



Fundamentos Jurídicos da Decisão


O voto do Ministro Moura Ribeiro, relator do caso, destacou que a prisão civil, embora prevista legalmente como meio de coação para o pagamento de pensão alimentícia inadimplida, deve ser aplicada de maneira proporcional e razoável, levando em consideração as circunstâncias particulares de cada caso.


O Tribunal reconheceu que a maioridade da filha, por si só, não desconstitui automaticamente a obrigação alimentar, conforme estabelece a Súmula nº 358 do STJ:

"O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos".


Porém, ponderou-se que, diante das condições particulares do devedor, a prisão civil não se mostrou a medida mais adequada e eficaz para o cumprimento da decisão judicial.


Um dos aspectos mais relevantes da decisão foi a consideração do estado de saúde do devedor e de sua vulnerabilidade social, que foram determinantes para a conclusão de que a prisão civil, no momento, seria uma medida desproporcional e inadequada.


O relator ressaltou que, mesmo sem ajuda financeira do pai desde 2015, a filha conseguiu se manter, formar-se e tornar-se economicamente ativa, o que diminuía a urgência na prestação dos alimentos.



Consequências do Julgamento e Reflexões Finais


A decisão do STJ no HC 880951 representa um marco na definição sobre a determinação da prisão civil em casos de dívida alimentar, especialmente em situações nas quais o devedor estiver em estado de vulnerabilidade acentuada.


O acórdão evidencia a necessidade de uma análise das circunstâncias específicas de cada caso, considerando não apenas o direito do alimentando, mas também as condições reais do alimentante.


Este julgado reforça o entendimento de que medidas coercitivas extremas, como a prisão civil, devem ser aplicadas de forma cautelosa, privilegiando, sempre que possível, alternativas que conciliem a efetividade da execução alimentar com o respeito aos direitos fundamentais do devedor.


Assim, a 3ª Turma do STJ definiu uma interpretação equilibrada da legislação processual, que pode servir de orientação e ter eficácia persuasiva para casos futuros semelhantes.




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