A atuação do advogado é fundamental para a administração da justiça e a garantia dos direitos.
Porém, a profissão também impõe deveres e responsabilidades, especialmente no que se refere à ética e à conduta profissional.
Um dos temas que precisa de maior atenção, em virtude da aplicação de tecnologias digitais na prática jurídica, é o acesso de advogados a processos judiciais nos quais não representam nenhuma das partes, com o objetivo de coletar dados pessoais e documentos, inclusive para compartilhá-los com terceiros.
O acesso a processos judiciais é um direito garantido pela Constituição e por lei, derivado do princípio da publicidade processual.
O art. 93, IX e X, da Constituição assegura a publicidade em dois incisos, como requisitos das decisões judiciais e das decisões administrativas dos tribunais.
Por sua vez, o art. 5º, LX, da Constituição, impõe limitação expressa à restrição da publicidade: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Como ponto em comum, o art. 5º, LX, e o art. 93, IX, ressalvam expressamente a intimidade como um limite à publicidade.
A publicidade dos atos processuais é a regra no Brasil. Como exceção, a Constituição restringe a publicidade externa ou extraprocessual, ou seja, admite o sigilo extraprocessual, por uma razão: para preservar o direito à intimidade do interessado, quando isto não prejudicar o interesse público à informação.
Extrai-se dessas normas que se busca concretizar a transparência e o controle social da atividade jurisdicional. No entanto, esse acesso não é absoluto e encontra limites na proteção da privacidade, dos dados pessoais e, de forma ampla, dos direitos da personalidade das pessoas.
Além disso, a Lei nº 13.793/2019 modificou as Leis nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico) e 13.105/2015 (Código de Processo Civil), para assegurar aos advogados o exame e a obtenção de cópias de atos e documentos de processos e de procedimentos eletrônicos.
No CPC, por exemplo, a referida lei inseriu o § 5º ao art. 107, para prever:
"Art. 107. O advogado tem direito a:
I - examinar, em cartório de fórum e secretaria de tribunal, mesmo sem procuração, autos de qualquer processo, independentemente da fase de tramitação, assegurados a obtenção de cópias e o registro de anotações, salvo na hipótese de segredo de justiça, nas quais apenas o advogado constituído terá acesso aos autos;
(...) § 5º O disposto no inciso I do caput deste artigo aplica-se integralmente a processos eletrônicos”.
O dispositivo busca adaptar a legislação à realidade contemporânea, considerando especialmente que a maioria dos processos judiciais tramita em meio eletrônico. Garante-se, assim, que os advogados possam exercer seus direitos e deveres profissionais, independentemente do formato do processo.
Embora o dispositivo amplie o acesso aos processos eletrônicos, ele não isenta os advogados de suas responsabilidades éticas e legais.
A transição do papel para o meio digital facilitou o acesso a informações processuais. O que antes exigia deslocamento físico e análise individualizada de cada processo, hoje pode ser feito com alguns cliques, permitindo o acesso e o download de milhões de documentos diariamente.
A utilização de técnicas de web scraping e o uso de inteligência artificial e de outras tecnologias digitais por advogados e empresas amplifica ainda mais essa capacidade de acesso e análise de dados. Tais ferramentas possibilitam a coleta automatizada de informações em larga escala, porém, muitas vezes isso ocorre sem o devido escrutínio ético e legal.
Esse cenário cria riscos significativos à privacidade e aos dados pessoais dos indivíduos envolvidos nos processos. Dados pessoais sensíveis e informações confidenciais podem ser expostos e utilizados para fins não autorizados, como a comercialização de dados ou a prática de atos ilícitos.
A facilidade de acesso e a massificação da coleta de dados exigem uma regulação mais rigorosa e uma fiscalização efetiva por parte dos órgãos competentes. É preciso estabelecer limites claros e mecanismos de controle para prevenir abusos e garantir a conformidade com princípios éticos e com as normas de proteção de dados.
O exercício da advocacia é regulado pela Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB) e pelo Código de Ética e Disciplina da OAB. Esses dispositivos estabelecem normas de conduta e princípios éticos que os advogados devem observar em sua atuação profissional, visando à dignidade da profissão e à defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.
O acesso a informações e documentos em processos judiciais por advogados que não representam as partes envolve questões éticas delicadas. Da mesma forma que o citado dispositivo do CPC, o art. 7º, XIII, da Lei nº 8.906/94 (garante ao advogado o direito de "examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos".
No entanto, o Código de Ética e Disciplina da OAB estabelece princípios como a lealdade, a boa-fé, a veracidade, a honra e a dignidade, que devem nortear a conduta dos advogados. Assim, a utilização de informações obtidas em processos judiciais para fins ilícitos ou antiéticos, como a comercialização de dados pessoais ou o seu compartilhamento com instituições financeiras e outras pessoas, é vedada.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD - Lei nº 13.709/2018) é outra norma legal que impõe limites ao uso de dados pessoais. Ela estabelece princípios e regras para o tratamento de dados pessoais, visando à proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade (entre outros). A coleta, o compartilhamento e outras atividades de tratamento de dados pessoais sem a indicação de uma base legal, ou com desvio de finalidade, são práticas vedadas pela LGPD.
Destaca-se que os dados públicos não se confundem com dados de acesso público, ou seja, os dados pessoais extraídos de um processo judicial (ainda que público) não podem ser tratados com desvio de finalidade, sem uma base legal válida e sem a observância das normas da LGPD.
Os advogados que violam os princípios éticos e as normas legais no acesso e uso de informações de processos judiciais podem ser responsabilizados. O Código de Ética e Disciplina da OAB prevê sanções disciplinares, que vão desde a censura até a exclusão do quadro de advogados. Além disso, a violação da LGPD pode resultar em sanções administrativas e judiciais.
Em síntese, o acesso de advogados a processos judiciais é um direito que visa à transparência e ao controle social, mas também impõe responsabilidades e limites éticos e legais.
A busca por informações em processos nos quais não representam nenhuma das partes, especialmente para fins comerciais, é uma prática que deve ser analisada à luz da ética profissional e da legislação vigente.
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