Entre as diversas alterações realizadas pelo novo CPC (Lei nº 13.105/2015), que entrou em vigor no dia 18 de março de 2016, algumas causam divergência, seja na interpretação dos novos artigos, seja pela resistência na aceitação de mudanças sobre rotinas de trabalho que foram executadas durante décadas.
Uma dessas inovações é a possibilidade de citação por carta (ou postal) na execução (em sentido amplo), ou seja, no cumprimento de sentença e na execução de títulos judiciais externos e de títulos extrajudiciais.
Relembra-se que o art. 222, ‘d’, do CPC/73, proibia expressamente a citação postal na execução, logo, não havia discussão sobre a necessidade da expedição de mandado e o cumprimento por oficial de justiça, para a prática da citação e de outros atos de constrição (por exemplo, a penhora na execução das obrigações de pagar quantia).
Contudo, essa regra não foi repetida no art. 247 do CPC/2015, razão pela qual alguns doutrinadores defendem que a citação por carta será permitida na execução de títulos executivos judiciais e extrajudiciais. De acordo com o art. 247, a citação postal é proibida:
(a) nas ações de estado das pessoas naturais;
(b) ou quando o citando for incapaz, for pessoa de direito público ou residir em local não atendido pela entrega dos Correios;
(c) ou, ainda, quando o autor, justificadamente, requerer a citação de outra forma (que não a por carta).
Ainda, o art. 246 do CPC, inserido nas normas sobre tempo e lugar dos atos processuais (da Parte Geral), prevê como modalidades de citação, nesta ordem: por carta (pelo correio), por oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria (quando o citando compareceu em cartório ou secretaria), por edital e por meio eletrônico.
Em regra, a citação é eletrônica ou por carta. Deve ser feita por mandado, a ser cumprido por oficial de justiça, em determinados casos, como aqueles listados no art. 247 e em outros previstos em lei (inclusive no CPC, como se verá). O requerimento da citação por mandado, além das hipóteses referidas, deve ser devidamente justificado pelo autor.
No cumprimento de sentença, normalmente o ato que dá ciência ao réu do início da fase e do prazo para cumprimento da obrigação (e a apresentação de eventual impugnação) é a intimação, feita na pessoa de seu advogado, tendo em vista que já foi citado na fase de conhecimento (ex.: art. 523, na obrigação de pagar). Quando o executado for o autor, também será intimado por meio de seu advogado para o cumprimento da obrigação determinada na decisão judicial.
Contudo, em algumas modalidades, o CPC prevê expressamente a expedição de mandado para a intimação do devedor, tais como:
(a) no cumprimento de sentença de obrigação de fazer ou de não fazer, a busca e apreensão de pessoas e coisas deve ser cumprida por dois oficiais de justiça (art. 536, § 2º);
(b) e, no cumprimento de sentença de obrigação de entrega de coisa, também deve ser expedido mandado para a busca e apreensão e para a imissão do credor na posse (art. 538).
Na execução de títulos executivos extrajudiciais, as regras do novo CPC são mais restritas:
(a) na execução para entrega de coisa certa, o art. 806, § 2º, contém as regras do mandado de citação;
(b) e, na execução por quantia certa, o art. 829, § 1º, menciona expressamente o “mandado de citação”.
Em consequência, alguns doutrinadores afirmam que a citação por carta é incompatível com o procedimento de execução de título executivo extrajudicial, devendo a citação ser realizada por oficial de justiça, por ser um ato complexo, que exige a penhora de bens e outros atos que não podem ser praticados por meio de carta. Por exemplo, na execução de obrigação de pagar quantia certa, o art. 830 do CPC determina que, se o executado não for encontrado para a citação, o oficial de justiça deve realizar o arresto dos bens encontrados, para a garantia da execução, além de procurar o réu por mais duas vezes (promovendo, se for o caso de ocultação, a citação por hora certa), o que não pode ser efetuado pelo carteiro. Esse arresto não tem natureza cautelar, mas sim executiva, porque objetiva antecipar os efeitos da penhora (e não a utilidade da sentença futura ou do processo).
Por outro lado, entende-se que a ausência de limitação pelo art. 247 significa que, em regra, é possível a citação por carta na execução, judicial ou extrajudicial.
Além disso, o CPC, em seu art. 249, prevê a citação por oficial de justiça apenas nas hipóteses expressamente previstas em lei. Assim, sempre que não houver proibição legal, a citação em qualquer processo, independentemente do procedimento, poderá ser feita por via postal.
O CPC/2015 unificou a regulamentação da intimação do devedor no cumprimento da sentença, no § 2º do art. 513, que contém quatro regras:
(a) em princípio, o devedor deve ser intimado para cumprir a sentença, na pessoa de seu advogado (art. 513, § 2º, I), mas, se o credor demorar mais de um ano para dar início ao cumprimento, a intimação do devedor deve ser pessoal, por meio de carta com aviso de recebimento (art. 513, § 4º);
(b) a intimação deve ser pessoal e por carta com aviso de recebimento, quando o devedor estiver representado pela Defensoria Pública ou quando for revel citado, sem procurador constituído nos autos (art. 513, § 2º, II);
(c) a intimação da parte, por meio eletrônico, quando for empresa pública ou privada sem procurador no processo (art. 513, § 2º, III, c/c arts. 1.050 e 1.051);
(d) e por edital, quando o réu não foi localizado e se tornou revel na fase de conhecimento (art. 513, § 2º, IV).
Em alguns casos, até mesmo na execução de título extrajudicial é possível a citação por carta. Por exemplo, na execução de obrigação de entrega de coisa incerta, o executado é citado para fazer a escolha da coisa e entregá-la (ou aquela indicada pelo exequente). Logo, é possível que se faça inicialmente a citação postal do réu, para escolher a coisa e entregá-la no prazo fixado. Somente se essa determinação for descumprida, deverá ser expedido mandado de busca e apreensão da coisa, a ser cumprido por oficial de justiça. Da mesma forma, na execução de obrigação de fazer ou não fazer, o devedor é citado para a sua satisfação, no prazo estabelecido no título ou fixado pelo juiz (art. 815), o que também pode se efetivar por meio de carta.
Portanto, a controvérsia pode ser resolvida da seguinte forma:
(a) O CPC deixa clara a sua opção pela intimação como regra no cumprimento de sentença e pela ausência de proibição da citação por carta no processo de execução de título executivo extrajudicial (e, eventualmente, nos títulos judiciais externos – art. 515 VI a IX), ou seja, o executado pode ser citado por essa modalidade, mas a carta deve ser enviada exclusivamente para o ato de citação;
(b) Contudo, em duas situações, a citação por carta é proibida,
(b.1) quando existir expressa proibição legal desse meio (como nos casos do art. 247 do CPC/2015) ou previsão expressa em lei de outro meio de citação (ex.: por mandado, exigida no art. 829, § 1º, do CPC, para a execução extrajudicial por quantia certa),
(b.2) e quando houver a necessidade da prática de outros atos, como o depósito, a penhora e a avaliação, devendo ser expedido mandado, para ser cumprido por oficial de justiça.

Artigo também publicado no Jusbrasil (clique aqui) e no Jus Navigandi (clique aqui).
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