O início da vacinação contra a COVID-19 no Brasil não se limitou a ser um assunto de saúde pública, mas logo avançou nas páginas policiais, com notícias sobre irregularidades na não observância de grupos prioritários, nomeação de pessoas para cargos ou funções na saúde pública (e ingresso na prioridade), entre outros fatos que levaram a processos judiciais para reprimir e prevenir essas práticas.
Isso levou também a decisões divergentes sobre a forma de controle da vacinação: a publicação da lista de vacinados permite que haja um controle público sobre a observância da vacinação dos grupos prioritários? Ou expõe de forma indevida e desnecessária os dados pessoais sensíveis dessas pessoas?
Recentemente, a imprensa noticiou a existência de decisões contrárias a esses pedidos em um mandado de segurança na 4ª Vara da Fazenda Pública do Recife (Justiça Estadual de Pernambuco) e em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público na 9ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro (Justiça Estadual do Rio de Janeiro).
Por outro lado, em uma ação civil pública proposta pelo MPF, MPT, MPE, DPU, DPE e MP do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas na Justiça Federal, distribuída para a 1ª Vara Federal do Amazonas, a decisão deferiu o pedido de tutela provisória e determinou à Prefeitura de Manaus a publicação diária das pessoas vacinadas, com indicação de nome completo, CPF, data e local de vacinação, grupo prioritário de enquadramento, cargo/função e local de exercício de trabalho (para ver a lista de vacinados, clique aqui).
Apesar de se tratar de dados pessoais cadastrais (especialmente o nome e CPF), por estarem associados à vacinação e à saúde dos titulares devem ser considerados como dados pessoais sensíveis (art. 5º, II, da LGPD), ou seja, sobre eles deve existir uma proteção diferenciada (e mais rigorosa), inclusive nas atividades de tratamento (o que inclui o acesso e a difusão) e o enquadramento em uma das bases legais previstas no art. 11 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Além disso, devem ser observados os princípios de tratamento do art. 6º da LGPD, especialmente a finalidade, a adequação e a necessidade, que levam a alguns questionamentos:
Se a finalidade da divulgação é o controle da observância da ordem de vacinação, há necessidade de divulgação pública da internet ou bastaria o envio da lista (ou seja, o compartilhamento dos dados ) aos órgãos de controle?
A publicização ampla dos dados das pessoas vacinadas é adequada ao fim pretendido de controle da ordem de vacinação? A indicação de algumas pessoas que receberam indevidamente a primeira dose da vacina pode levar à necessidade de divulgação dos dados pessoais de todas as pessoas vacinadas, inclusive aquelas que estão em grupos prioritários?
Os dados pessoais relativos à saúde das pessoas (o que inclui a vacinação, contra qualquer doença), não são sigilosos? Existe alguma base legal para a sua divulgação?
Essas questões devem retornar a ser analisadas e debatidas durante o ano, em situações que se repetirão nas vacinações que ocorrerão em todo o país, e não se pode esquecer de observar a proteção devida aos dados pessoais sensíveis das pessoas vacinadas.
Artigo também publicado no Jusbrasil (clique aqui) e no Jus Navigandi (clique aqui).
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