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Foto do escritorOscar Valente Cardoso

Segredo de Justiça e Proteção de Dados da Saúde

Atualizado: 3 de mai. de 2022

A Lei nº 14.289, de 3 de janeiro de 2022, dispõe sobre a obrigatoriedade de sigilo acerca da condição de pessoas com infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV), ou com hepatite crônica (HBV e HCV), ou com hanseníase, ou com tuberculose (art. 1º).


De forma mais específica, a lei proíbe a divulgação, por agentes públicos, por pessoas jurídicas de direito privado ou por pessoas naturais, de informações que permitam a identificação da condição de pessoa com qualquer uma das doenças referidas (ou seja, de dados pessoais desta), nos serviços de saúde, nos estabelecimentos de ensino, nos locais de trabalho, na Administração Pública, na segurança pública, nos processos judiciais e na mídia escrita e audiovisual.


A preservação do sigilo desses dados pessoais da saúde é a regra, que contém três exceções (parágrafo único do art. 2º da Lei nº 14.289/2022):


(a) nas hipóteses previstas em lei;


(b) quando houver justa causa para a divulgação;


(c) quando existir autorização expressa da pessoa acometida pela doença, ou por seu responsável legal (quando se tratar de civilmente incapaz), observadas as regras de consentimento e a base legal do art. 11 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD - Lei nº 13.709/2018).


Na LGPD, os dados pessoais da saúde são sempre considerados como dados pessoais sensíveis, independentemente do contexto e da finalidade do tratamento (art. 5º, II, da LGPD). Em consequência, sobre eles deve existir uma proteção diferenciada (e mais rigorosa), inclusive nas atividades de tratamento (o que inclui o acesso e a difusão) e o enquadramento em uma das bases legais previstas no art. 11 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), com o consentimento como hierarquicamente superior às demais.


A Lei nº 14.289/2022 contém regras especiais de proteção da privacidade das pessoas com qualquer uma das doenças citadas na prestação de serviços de saúde (art. 3º) e também em processos judiciais (art. 5º).


Para os processos judiciais, o art. 5º da Lei nº 14.289/2022 realiza a ponderação entre a publicidade processual (art. 93, IX, da Constituição) e o direito à intimidade referido no art. 5º, LX, da Constituição: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.


Em consequência, o dispositivo legal não determina o sigilo integral do processo judicial, mas apenas das informações que possam identificar a doença da pessoa natural, ou seja, trata-se do sigilo parcial, que restringe a publicidade externa apenas dos atos processuais que disserem respeito à doença (vírus da imunodeficiência humana ou hepatite crônica ou hanseníase ou tuberculose) e ao titular do dado pessoal sensível.


Apesar de o caput do art. 5º da Lei nº 14.289/2022 mencionar apenas a parte, deve ser determinado o segredo de justiça do ato que identificar a pessoa com qualquer uma dessas doenças, considerando que o § 1º do art. 5º menciona genericamente a "pessoa" (e não restringe a proteção às partes). Por exemplo, se uma testemunha afirmar em audiência que contraiu HIV, o arquivo com seu depoimento deve ser protegido com o sigilo processual e os atos processuais posteriores que fizerem menção a esse fato também devem ter o segredo de justiça.


Ainda, o § 1º do art. 5º da Lei nº 14.289/2022 esclarece que a publicidade dos atos processuais não pode conter informações que permitam a identificação de qualquer pessoa com as doenças referidas.


Em consequência, o § 2º do art. 5º prevê que esses dados pessoais sensíveis não devem ser divulgados inclusive na sessão de julgamento e, quando for necessária essa publicização, a permanência na sessão deve ser restrita às partes e seus advogados.


Assim, a Lei nº 14.289/2022 determina a observância do segredo de justiça para determinadas doenças, com o sigilo do ato processual que permitir a identificação da doença e seu titular, ou seja, há uma restrição à publicidade externa, que impede o acesso ao ato das pessoas que não participarem do processo.


Isso significa que há um fundamento legal que prevê a decretação obrigatória do segredo de justiça parcial (e não integral dos autos) do ato que identificar pessoa natural com infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV), ou com hepatite crônica (HBV e HCV), ou com hanseníase, ou com tuberculose (salvo as exceções previstas no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 14.289/2022).


Essa delimitação não afasta a existência de questionamentos: para qualquer outra doença não prevista na Lei nº 14.289/2022, como definir a necessidade - ou não - de decretação do segredo da justiça, tendo em vista que se trata de dado pessoal sensível?


Em princípio, não há o dever legal específico do sigilo processual do ato, mas existe fundamento legal para o mesmo tratamento, que é o art. 189, III, do Código de Processo Civil:


"Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:

(...) III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade".


Por outro lado, também se pode afirmar que a ocultação ou a não especificação da doença nas decisões judiciais (como, por exemplo, relativas a doenças do trabalho em ações trabalhistas ou a incapacidades em processos previdenciários) podem dificultar ou até mesmo impedir a pesquisa de casos semelhantes, para a comparação e o controle público das decisões.


Por fim, o art. 6º da Lei nº 14.289/2022 prevê que a inobservância do sigilo dos dados pessoais sensíveis relativos às doenças nela referidas gera as seguintes consequências para o infrator:


(a) das sanções administrativas previstas no art. 52 da LGPD, que só podem ser impostas pela ANPD (art. 55-K da LGPD) e não se aplicam se o fato ocorrer nas hipóteses de não incidência da LGPD previstas em seu art. 4º, como, por exemplo, nos inquéritos policiais e ações penais, ou no tratamento realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos;


(b) das sanções administrativas cabíveis, pelo órgão competente e de acordo com as regras específicas da área (por exemplo, da Corregedoria do Tribunal);


(c) da responsabilização civil, com o pagamento de indenização por danos materiais e (se for o caso) de compensação por danos morais à vítima, conforme o art. 927 do Código Civil.


(d) e da aplicação em dobro das penas pecuniárias e de suspensão das atividades previstas no art. 52 da LGPD, e da condenação ao pagamento do dobro do valor fixado a título de compensação por danos morais, quando essas medidas forem adequadas para o caso e for comprovado que o autor do ato o praticou com dolo e com o objetivo específico de causar dano ou ofensa ao titular dos dados pessoais sensíveis.



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